Ela dança no sétimo céu

19.1.12

A letra do vídeo acima é um pedido de desculpa, de pai para filhos, pela atitude que tiveram de tomar em consequência dos anos que passaram durante a ditadura militar. Uma época de preocupações, com a impossibilidade de se saber como seria o dia seguinte e que levava os adultos a viverem em tensão, algo incompreensível para as crianças. A música apresenta metáforas como "a falta de folhas, a falta de ar" representando a ausência de esperança e o sufoco; "quando passarem a limpo, quando cortarem os laços, quando soltarem os cintos, façam a festa por mim", a volta da democracia. Quando foi composta, o país ainda vivia sob intervenção militar. Não se sabia quanto tempo mais essa fase iria durar. A ditadura militar roubou pelo menos 21 anos da vida de muitos brasileiros. A geração seguinte foi livre com liberdade para escrever sobre esse período da história e de qualificá-lo como cruel, duradouro e estúpido. Mesmo assim, depois de tanto tempo, muitos ainda esbarram em fragmentos em que todos, pais ou filhos, podem se machucar.



Há cinco anos, publiquei o texto a seguir sobre Elis Regina no já extinto site Foca Vitulina. Fiz algumas adaptações:

Elis Regina Carvalho Costa, ou somente Elis Regina como ficou conhecida pelo grande público, sintetizou várias qualidades em uma só pessoa. Deus ao criá-la colocou em sua garganta um timbre maravilhoso. Bastava isso, mas para ela não. E Elis aperfeiçoou seu dom. Manteve a voz sempre afinada, escolheu repertórios de qualidade e muitas vezes difíceis de se cantar. Transitava do agudo para o grave como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Postava-se no palco como ninguém. Não apenas cantava, mas interpretava as mais belas canções da Música Popular Brasileira. Cantou também em Francês, Alemão, Inglês, Espanhol e Italiano. A letra a guiava e em seu corpo via-se o reflexo da emoção que se transformava em uma dança ou em um braço erguido estático ou balançando no ar. Em seu rosto via-se uma expressão séria ou uma alegria plena; o choro ou o sorriso. Foi uma artista completa que não se contentava com o mínimo e procurava sempre ir além, atravessando os limites.

Não era compositora, mas dava um toque pessoal às canções que interpretava. Rita Lee, em depoimento ao livro de Regina Echeverria, Furacão Elis, disse que a cantora também foi co-autora de sua música Alô, alô, marciano. A gravação que Rita enviou à amiga era em um ritmo diferente, mais acelerado. Elis transformou em algo tendendo para o jazz e com um certo deboche na voz ao falar da decadência da high society. Os autores, Rita Lee e Roberto de Carvalho, ficaram extasiados com o resultado. Rita também dizia que Elis cantava com todas as partes do corpo. Outro fato curioso também apresentado no livro foi quando Elis cantou o trecho inicial de Atrás da porta. A música de Francis Hime já estava pronta, mas a letra de Chico Buarque ainda não estava finalizada, e bastou a cantora colocar sua voz nela para o autor se inspirar e terminá-la na hora.

Muitas foram as músicas imortalizadas em sua voz e muitos compositores ficaram conhecidos graças a ela. O bêbado e a equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco, virou o hino da anistia. No Aeroporto de Congonhas, quando os exilados voltaram ao Brasil em 1979, havia pessoas carregando gravadores que executavam a música cantada por Elis e em coro cantavam juntamente com ela. Era uma grande honra ter música interpretada pela cantora. Ivan Lins disse que só quem a ouviu falar "vou gravar uma música tua" experimentou a emoção de ter a própria criação transformada por sua voz.

Como rei Midas, tudo o que a artista tocava virava ouro. Dedicava-se ao máximo em tudo o que fazia, da tarefa mais simples à mais complexa. Em 1977, dois meses após o nascimento de sua filha Maria Rita, foi cumprir um contrato com o Teatro Leopoldina em Porto Alegre, sua terra natal. Mesmo tendo um bebê em casa não rompeu o acordo. O respeito pelo público era tão grande, que resolveu não apenas fazer um show, mas criar algo novo. Assim surgiu o espetáculo Transversal do Tempo.

Elis Regina era assim. Nas tarefas domésticas e no cuidado com os filhos não era diferente. Em especiais de TV, João Marcello, seu filho mais velho, contou que sua mãe chegava tarde em casa após os shows e acordava cedo para auxiliar a empregada em seu trabalho. Gostava muito de cozinhar e de servir seus convidados. Quando Pedro, seu segundo filho nasceu, fez questão de se mudar para uma casa na Serra da Cantareira longe da poluição para que a criança respirasse ar puro.

Pode-se dizer então que essa brasileira foi não somente uma profissional magnífica, mas também um exemplo de pessoa a se seguir. Ainda é considerada a melhor cantora do Brasil, mesmo 30 anos após sua morte. É por isso que continua cativando novos fãs, fazendo lembrar o que escreveu Mario Quintana: "Um poema é de sempre, Poeta (...) Depois que tu te fores, alguém lerá baixinho e comovidamente, a vivê-lo de novo. A esse alguém, que talvez nem tenha ainda nascido, dedica, pois, teus poemas". Muitos dos novos admiradores de Elis nasceram depois de 1982 – ano de sua morte – e ficam encantados quando escutam seus discos. A obra de Elis Regina permanece viva tocando agora em novos artefatos tecnológicos, em aparelhos de CDs, DVDs, MP3 e sendo cultuada em redes sociais, além de diversos blogs e sites criados especialmente para ela.

2 comentários:

Beatriz Prestes disse...

Você, ótima como sempre. Curioso que o que me chamou a atenção foi o título do post, que é um trecho da música que leva meu nome como título, composta pelo Chico junto com Edu Lobo - que me foi apresentada por minha mãe, é claro. Gostaria de tê-la ouvido na voz da Elis, mas nunca soube dela a ter gravado...

Enfim, prima: sou puxa-saco (ainda tem hífen? E hífen tem acento? rs) sua MESMO! Mais uma vez, parabéns pelo post!

Beijos!

Luiza Prestes Karam disse...

Obrigada pelo comentário! Então, ela não gravou a música, que aliás, além de ter um nome lindo, é uma linda música. Quanto ao hífen, sim, tem acento e puxa-saco tinha hífen até a reforma ortográfica, agora já não sei como ficou, se puxassaco, rarrarra!!! Acho que continua igual.