O execrável

10.7.11


Achei estranho aqueles automóveis andando vagarosamente. A curiosidade aguça, pensei: será acidente ou atropelamento? Mas nenhum carro desviava, apenas diminuíam a velocidade e passavam. Alguns motoristas buzinavam. Outros, gritavam. Cada vez que me aproximava, mais tentava entender o motivo daquele congestionamento.

Avistei ao longe algo muito pequeno se movimentando. Até o momento, não sabia se era realmente pequeno ou se a perspectiva estava pregando uma peça, de longe, um boieng parece um pardal. O ser correu da calçada até o meio da rua, depois voltou para o mesmo lugar de onde veio. Foi questão de poucos segundos. E nesse pouco tempo, a cabeça esboçou o que poderia vir a ser aquela coisica. Um gato? Porém, não poderia ser, felinos assim, correndo em uma via pública movimentadíssima, indo e voltando, eles não são de fazer isso.

Depois, imaginei ser um cachorrinho de madame, um yorkshire desprendido de sua dona que agora enfrentava os veículos em uma via rápida. O animalzinho repetiu o movimento, correu até o meio da rua e como se estivesse ferido, paralisou em frente ao meu carro. Juro que olhou pra mim, e com medo, chegou a fechar os olhinhos, assim como uma criança prestes a levar uma surra fecha os olhos como se isso ajudasse a não sentir dor. Ele não estava ferido, simplesmente o pavor o quedou ali, encolhido, esperando pelo pior. Às dez da noite, sexta-feira quando boyzinhos da cidade passavam com os carros de seus pais.

Um gambá, seu fino rabo, ainda avistei. Não era eu a escolhida para passar por cima. Sem olhar pelo retrovisor, simplesmente deslizei o volante para o lado esquerdo e continuei o caminho. Não entendia as pessoas gritando, se era para parar ou se achavam um absurdo aquele alvoroço só por causa de um animal indefeso e perdido.

Não foi como a cena de Estamos todos bem (1990)de Giuseppe Tornatore, em que o personagem de Marcelo Mastroiani está com sua filha dentro de um carro parado em um engarrafamento causado por um alce no meio da estrada. No filme, ninguém teve o atrevimento de espantá-lo dali. Cena simples, bela e poética.

Para mim, uma cena tocante, uma das mais belas da sétima arte, mas, ali onde eu estava, talvez pelo tamanho do animal ou por sua reputação de animal repugnante, todos pareciam agressivos. Fiquei o resto da noite pensando naquele pobre bicho. Não sei o que aconteceu com ele. Não sei o que estava fazendo ali. Não sei de onde veio, só sei que não funciona a vida real como um filme.

É assim que fazemos, os seres considerados por nós como inferiores, nós passamos por cima. Uma barata pisoteada, uma mosca esmagado na parede, um mosquito entre as palmas, um vira-lata atropelado. Com as pessoas é a mesma coisa, ou você nunca se sentiu superior a alguém só por causa da sua posição social? Caixa de supermercado, atendente de farmácia, frentista de posto, vendedor de loja. Pense nisso, analise-se e sinta-se a menor pessoa do mundo por ter tratado outra como você com desprezo só por se julgar melhor.




A Banca do Distinto
Billy Blanco

Não fala com pobre, não dá mão a preto
Não carrega embrulho

Pra que tanta pose, doutor
Pra que esse orgulho
A bruxa que é cega esbarra na gente
E a vida estanca
O enfarte lhe pega, doutor
E acaba essa banca
A vaidade é assim, põe o bobo no alto
E retira a escada
Mas fica por perto esperando sentada
Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão
Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal
Todo mundo é igual quando a vida termina
Com terra em cima e na horizontal.

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