De pais e de músicas

2.5.09


Como na música de Toquinho e Vinícius de Moraes, “menininha do meu coração eu só quero você a três palmos do chão”, lembro-me dos meus quatro ou cinco anos e meu pai dirigindo sua Variant amarela, sorrindo e dizendo que gostaria que eu nunca crescesse. Tão bom se você fosse para sempre minha filhinha, dizia ele. Eu com uma memória de elefante, e quem me conhece sabe disso, me recordei deste momento no instante seguinte em que abri o Messenger e me deparei com uma mensagem escrita por meu pai.

Nela, ele disse que ao pensar nas duas netas, filhas pequenas de meus dois irmãos, chorou ao se lembrar de mim quando era bebê. Um misto de tristeza e alegria me fez também chorar. Tristeza por causa da saudade de um tempo que não volta mais, época em que os pais me protegiam dos medos mais bobos. Com eles em casa, não havia monstros debaixo da cama e o escuro não era assustador.

Agora que não sou mais criança, os medos são outros. Na maioria das vezes, criados pela própria mente, assim como o bicho papão. Em alguns momentos são os mesmos temores que eles, pais, também têm. E como é curioso ver que eles, assim como eu, são inseguros em algumas ocasiões. Quando nós filhos percebemos isso nos deparamos com uma realidade: já somos adultos. Lá vem então Caetano me soprar no ouvido: "Nem um não, nem um dragão, nem um avião, nem uma assombração, nada é pior do que tudo que você já tem no seu coração mudo. Não tenha medo, não tenha medo, não".

A satisfação é ter vivido bons momentos ao lado de um paizão que me preparava pão com queijo derretido de manhã e quando meu estômago de passarinho não aguentava comer tudo, deixava eu comer somente o queijo. Felicidade de saber que a qualquer momento, ainda hoje, posso ficar horas conversando sobre os medos mais infantis e receber a proteção de uma voz segura e experiente. Prazer em ser pega de surpresa por um recado afetuoso.

Erico Verissimo em sua autobiografia Solo de Clarineta comentou que ao abraçar seu primeiro neto, sentiu como se estivesse abraçando seu pai, seus filhos, sua esposa e a ele próprio. Sempre que vejo minhas sobrinhas penso nisso e encontro nelas um pouco de cada um de nós. Acho que meu pai percebeu isso também nas meninas. Ele me viu criança, do jeitinho que sempre quis, a três palmos do chão.

5 comentários:

Eugenio disse...

Que lindo. Sinceramente? Não tenho muito o que dizer, só de que gostei do que você escreveu. Além de estômago de passarinho e memória de elefante, você também é uma gata! Muitos beijos, minha amada.

Tais disse...

A vida é um misto de rememoração e surpresas. É como se houvessem fios que ao serem descobertos, nos levam a outros, às vezes a alguns nós que temos que desatar, uns coloridos, outros quase desbotados. Todos eles material precioso para a tecitura que é a vida. Pois ela me trouxe o teu blog, com um texto onde a estética é expressão da ternura, do jeito que a Adriana diz: "a vida inteira eu quis um verso simples pra transformar o que eu sinto"

Denise Machado disse...

A memória de elefante tbm tenho mas lembranças boas nem tanto... Não tive meu pai me protegendo, nem mãe. Eles eram desvairados e egoístas.
Bom, depois desse desabafo, deixando claro que o sofrimento não fez de mim amarga ou psicopata como se desculpam a maioria pertencente a essas classes, vou ao texto.

Vc escreve com tanto sentimento, Lu. E sei que não é por ter aprendido teorias na universidade, é porque tem o dom, esse que não te deixaria parar de escrever.
Bjo no seu pai.

* disse...

Que lindo isso que tu escreveu, guria! ME FEZ CHORAR!
Eu me identifiquei com quase tudo (quase, porque a minha memória é de passarinho e o meu estômago, de elefante) :P
Estive em casa semana passada e conversei sobre essas coisas com a Miuxa. Esse mês deixa a gente mais sensível e faz a gente lembrar de tanta coisa. Nos faz pensar em como a nossa vida mudou e em como os nossos medos se transformam mesmo em medos de 'gente grande'.
Tenho muito orgulho dessa Ana Luiza que eu sei bem quem é e que é tão feliz ao traduzir em palavras essas coisas que a gente sente. Parabéns pelo texto. Um beijão da prima que é tua fã! :)

Unknown disse...

Adorei!! Muito lindo.. 1a vez que entrei no seu blog.. acho que agora virei fã! muitos beijinhos da cunhada e da sobrinha Loreninha!!