A gente escreve pra desabafar

26.2.10





Foi tudo muito rápido, de repente, não havia mais Betinho. Voltei para casa com seu transportador vazio. Pelo caminho, um carro passou espirrando água e eu soltei um sonoro "filho da puta" como se ele tivesse molhado meu gato que nem estava ali. Foi um desrespeito, pensei. Acho até que chegou a diminuir a velocidade. No dia seguinte pensava, a essa hora de ontem o Betinho ainda estava vivo. Ah, se na vida também houvesse control Z, eu daria quantas marteladas fossem preciso nas teclas para reverter tudo, até o instante em que ele, deitado na cama de minha mãe, dormia e Lorena, minha sobrinha, falava, Betoooo, para acordá-lo. Ele tinha medo de criança, mas com a Lorena foi diferente, até no pequeno colo de minha sobrinha ele se deitou atravessado, quando ela bateu as mãozinhas nas perninhas para chamá-lo.

Até o último momento, tive esperanças. Estava almoçando com meu pai quando a veterinária ligou dizendo que o Betinho estava na mesma situação, quase 24 horas na respiração artificial e pediu para eu ir lá. Naquele momento, percebi, ela queria que eu fosse me despedir dele. Meu pai também estava esperançoso, mas quando disse a ele a minha impressão, vi que ele segurou o choro. Meu pai não estava bem de saúde, mas insistiu para ir junto. "Você não vai lá sozinha", dizia. Penso que na verdade também queria dar um tchau ao Betinho. Consegui convencê-lo a ficar.

Chorei muito, é verdade. Mas, dois dias depois, parecia estar sem emoção, logo eu que choro agora vendo novela, isso mesmo, como Zeca Baleiro dizia, "ando tão à flor da pele", achava um exagero, "qualquer beijo de novela me faz chorar" e comecei a me emocionar com as coisas mais tolas. Dois dias depois da morte do Betinho, parecia sem sentimento algum, via os vídeos dele e nada sentia. O Eugenio dizia para eu parar porque ia ficar triste, mas percebia que ele estava sentindo saudade do gato, que no primeiro contato já se tomou de amores por ele. Aliás, foi recíproco. Só não imaginava como o gato era tão querido por ele. Quando falei que estávamos indo nos despedir dele na clínica, Eugenio caiu em prantos. Não esperava aquilo, me comovi ainda mais.

Um pouco antes, estava sozinha na rua caminhando, ainda com esperanças de seu quadro se reverter e fiz como a personagem de Audrey Tatou no filme Eterno Amor que pensava, "se o Grão-Duque (cachorro) entrar no quarto antes de meu tio, é porque meu noivo está vivo". O rapaz havia ido para a guerra e como não recebia notícias, tinha esses pensamentos. Vi um cavalo parado na rua, com uma carroça nas costas e pensei, se ele me olhar, o Betinho não terá chances de sobreviver. E com a cara mais simpática do mundo, o cavalo virou a cabeça e me ollhou. Aquela doçura de animal, que carregava o peso dos outros, que sofria noite e dia, como o odiei naquele instante e chorei, sem vergonha de as pessoas me olharem, estava perdendo um ente querido.

Quando meus amigos Luciana e Rafael escreveram a homenagem aos amigos na formatura, fizeram questão de citar o Betinho, o que levou minha mãe à vibração e nós duas, já quase sem esperanças nos lembrávamos daquele momento novamente e chorávamos. Recordamo-nos também de quando fomos à praia e deixamos o gato na casa de uma amiga. Ficamos com certo receio de que ele fugisse porque estava acostumado a viver em apartamento, não saberia se virar sozinho. Então, quando algum bicho chegava perto, inventávamos que eles traziam recados do Beto. Era engraçado, às vezes chegávamos mesmo a acreditar, por que afinal, um siri chegaria tão próximo a nós? Outra vez, minha mãe estava no banho e na janela apareceu um beija-flor que ficou um tempo parado ali. Foi o mais marcante, mesmo sem eu ver, imaginei a cena e senti que estava tudo bem com meu gatinho. Por aqueles dias, ele ficou perdido, segundo informou a amiga. Curioso como todos os gatos, saiu de casa e não soube voltar. Realmente estava bem e por isso passei a gostar ainda mais de beija-flor. Agora era o cavalo enviando uma mensagem de desesperança.

Minha mãe e eu decidimos cremar o Betinho. Foi em um lugar afastado, uma chácara bem tranquila onde pessoas muito queridas trabalham com profissionalismo, respeitando a dor de quem perde o companheirinho. O funcionário, quando foi me entregar a urna, disse-me que normalmente as pessoas sentem uma enorme paz ao receberem as cinzas. Imaginei que comigo não fosse acontecer o mesmo. Deixei o Eugenio carregar até o carro as cinzas do Betinho, afinal, eram também grandes amigos. Quando estávamos saindo, um beija-flor voou perto e saiu. Novamente voltou e parou diante do Eugenio e do Betinho. Ali eu senti a tal paz que o homem havia dito. Era como um recado do meu gatinho, "olha, estou bem". Foi um conforto. Dias depois, o Eugenio sonhou que o passarinho disse, "sempre quis ser livre, agora posso voar". O gato de apartamento...

Um dia cheguei no apartamento de minha mãe e estranhei, o lugar estava cheio de insetos, principalmente mariposas. Betinho, assim como todos os gatos, caçava insetos, mas ultimamente não fazia mais. Uma mariposa em especial me chamou atenção, pois era clara com as extremidades mais escuras, assim como o Betinho, siamês. Não sei se ele se transformou em vários bichinhos ou se tentava mandar recados agora do céu, porque os gatos, assim como os cães, também merecem o céu.

Ontem, ao conversar com minha amiga Marina, que está lá nos Estados Unidos, fiquei surpresa com sua reação. Escreveu ela: "como assim? Não pode ser verdade! Poxa, Luiza sem Betinho é difícil de imaginar". E olhe que ela só o viu uma vez. Pensei que ela fosse me dizer o óbvio, "ah, ele estava velho mesmo", coisas desse tipo. Não que eu esperasse dela tal reação, mas que fosse cuca fresca, não sei explicar. Milena, que agora mora em São Paulo, também se comoveu e ainda escreveu que agora virou também fã de gatos. Denise está em Londrina e disse-me: "sei bem o que é perder um bichinho, a Diana morreu no ano passado aos 14 anos".

Meus sentimentos voltaram, prefiro ser uma manteiga derretida do que ser aquele ser frio dois dias após a morte do Betinho. Quando começo a me entristecer por causa dele, faço uma força e me lembro de como ele ficava quando eu estava pra baixo, se aproximava para me acudir. Também lembro-me do recado que mandou pelo beija-flor, "estou bem, fique bem também". E me alegro.




7 comentários:

Eugenio Hoch Junior disse...

Chuif...Fico também pensando no preto/preto e na branca/branca (sim, às vezes eles me irritam, mas eles gostam de mim assim mesmo)quando se forem...aí eu quero só ver. Realmente quem tem algum animal de estimação e conviveu com ele muitos anos sabe o que é perder alguém que gosta. Mas faz parte, né? Parece frieza, mas acho que não...Bjs.

Karam Jr, Elias disse...

Seus artigos sempre nos surpreendem, por sua auto-superação e nesse, em particular, nos leva várias vezes a umedecer nossos olhos.
Aqui você colocou duas fotos maravilhosas. A primeira é do Beto sozinho, com toda elegância e porte inquestionáveis aos siameses, sem esquecer de citar sua linda pelagem e seus maravilhosos olhos azuis. Na segunda foto, não menos impressionante, aparecem Eugênio e Betinho entreolhando-se de maneira ímpar, singular, única, de uma maneira passional e com um ar de cumplicidade, entendível apenas pelo dois personagens.
Quando a Veterinária lhe telefonou realmente não quis deixar que você
fosse sozinha ver o Betinho, pois pressenti que ele estava em estado
terminal. Sabia que seria um momento muito pesado pra enfrentar sozinha, além do que eu também queria dar meu último adeus ao meu amiguinho, mas você não me deixou ir por causa de meu estado de saúde.
Fico muito feliz que tenha voltado suas emoções e deixado de lado aquela sensação da dureza de uma rocha.
Beijos
P.S.- É possível sim, que o beija- flor seja um dos mensageiros entre animais e humanos.

Denise Machado disse...

Lu, nunca tive um animal de estimação mas sempre soube respeitar e entender o sentimento de quem tem. Por essa razão só posso dizer que sinto muito por sua dor, a do Eugênio e da sua família. Não deve ser fácil.

Mudei o endereço do blog, se puder atualizar... Beijo.

www.compostodecarbono.blogspot.com

José Vitor Rack disse...

soube da história via MSN, mas vim aqui ler e conferir. só quem perdeu seu companheirinho sabe o quanto dói.

um beijo.

Wanessa disse...

Olha, eu sei como vc deve estar se sentindo. Acredito que os animais sao como anjos que passam por aqui para cuidar da gente. Ate hoje, quando lembro da Amanda ainda fico triste. O temo nao cura, apenas vai tornando a saudade mais suportavel. beijos irmazinha.

as estrelas moram na escuridão disse...

ana, sei como é a perda de gatos queridos, perdi tantos nesses 40 anos de vida... mas sem dúvida o último sempre dói mais=beecat. choramos muito também, eu e o carlos, voltar pra casa e ter somente a nina sozinha lá, miando chamando...ficamos doentes, sem fome, sem forças. foram poucos 6 anos, mas de intensa felicidade. beecat nos deixou dia 12 de junho, dia dos namorados, dois anos depois, no dia 13 de junho nasceu Ulisses. filhos e gatos. amamos.

Unknown disse...

Oi Luiza,

Adoro o seu jeito de escrever. Tão claro e tão profundo....Já fazia alguns dias que não entrava para ler suas postagens, de repente esta me emocionou muito, além sa saudade do betinho percebi que no momento me sinto exatamente como você neste dia. É uma perda, um vazio, a casa está vazia, o coração com muito amor mas sem ter a pessoa fisicamente para receber... No meu caso sofro ainda por morrido um pedaço de mim numa pessoa ainda viva. Peno que não tenho o tal beija-flor... Fique com Deus! Beijos Gra